De origem ligada à mineração e ao tropeirismo, Contagem é uma cidade que carrega séculos de história e tradição. Do nome que remonta às roças de abóbora, à resistência cultural das comunidades negras, como os Arturos e os Ciriacos, uma cidade preserva um rico patrimônio imaterial. Seu legado está nas festas populares, no batuque e na fé, ao mesmo tempo em que se destaca como polo industrial e de desenvolvimento em Minas Gerais. Com suas raízes profundas e um olhar para o futuro, Contagem é um lugar onde o passado e o presente se encontram vibrantes e cheios de vida.
O município de Contagem – MG tem como marco inicial, assim como parte das cidades mineiras, a mineração, ocorrida durante o Brasil Colônia, servindo de local para busca de ouro e pedras preciosas. Mas, para além disso, os bandeirantes, principalmente Fernão Dias, criaram uma rota que tornaria, durante algum tempo, caminho obrigatório entre as capitanias de São Paulo e Serra do Espinhaço, local onde, em suas margens, foram descobertas as principais minas de ouro. Pela necessidade de melhorar o abastecimento de mercadorias, o transporte de gados e escravos, e a comunicação com outras regiões da Colônia, surgiram outras duas rotas, uma proveniente do Rio de Janeiro e outra dos Sertões da Bahia.
Essas principais rotas se cruzavam numa região conhecida como Abóbora e, segundo as informações disponibilizadas no livro “Contagem: origens”, o nome Abóboras, inicialmente dado a região, pode ter surgido quando os bandeirantes, em suas viagens, pontilhavam o território com pequenas roças de arroz, feijão e outras culturas necessárias para o suprimento das expedições. Essas roças eram cultivadas geralmente às margens dos rios e nessa região específica, posteriormente conhecida como Contagem, teria sido cultivada uma roça de abóboras. Daí o nome dado à região.
Para a manutenção e controle sobre a atividade econômica, a Coroa Portuguesa instalou postos de registros. Um desses postos foi instalado na região conhecida como Abóboras, ou Sítio das Abóboras, no início do século XVIII, em 1716, nesse local onde as três principais rotas se cruzavam.
Em torno desse posto, formou-se um pequeno povoado e a população ergueu uma capela para abrigar o santo protetor dos viajantes, São Gonçalo do Amarante. Considera-se que Contagem não teve fundadores, uma vez que os registros apontam para esse afluxo espontâneo que se deu em torno do posto de controle e da capela. Inicialmente, o nome do povoado foi “Arraial de São Gonçalo da Contagem das Abóboras”, fazendo referência aos marcos iniciais: posto de controle econômico e capela em homenagem ao santo dos viajantes.
Por volta de 1750, o posto do Registro das Abóboras ou Contagem das Abóboras, foi desativado devido ao surgimento de novas rotas, o que reduziu o fluxo de mercadorias e de pessoas, reduzindo consequentemente os rendimentos e a importância da sua função arrecadadora. O reflexo dessa desativação fez com que o arraial seguisse a sua trajetória evolutiva e formadora em torno da Capela do seu padroeiro, São Gonçalo.
No final do século XVII, em torno de 1780, a crise do ouro das zonas mineradoras e a necessidade de dar ocupação à mão-de-obra escrava, fez com que houvesse a consolidação da atividade pastoril em Contagem. Foi nesse momento em que surgiram as fazendas históricas: Madeira, Morro Redondo, Serra Negra, Abóboras, Riacho das Pedras, Vista Alegre, Confiscos e outras de mesma importância histórica. Foi também nesse momento em que chegaram na região as principais famílias tradicionais: Diniz, Macedo, Gonçalves Lima, Silva, Costa e, pouco depois, Camargos e Mattos.
Foi apenas no século XIX que o nome Contagem das Abóboras, já abreviado anteriormente, resumiu-se em “Contagem”. Desde a sua origem, o local fazia parte como distrito do grande município de Sabará, Comarca do Rio das Velhas, como a grande maioria dos municípios da atual região metropolitana de Belo Horizonte e em 1901 foi vinculado à Santa Quitéria, atual Esmeraldas. Em 30 de agosto de 1911, o local foi transformado em município, pela Lei nº 556. Por divergências políticas, em 1938, Contagem perdeu sua autonomia e por mais dez anos passou a ser distrito de Betim, adquirindo novamente a sua emancipação política em 27 de dezembro de 1948, através da Lei nº 336.
Durante esse mesmo período, houve a necessidade de industrializar Minas Gerais, o que propiciou, em 1941, a criação de um parque industrial, situado, atualmente, na “Cidade Industrial”. A escolha, segundo as fontes, se deu devido à proximidade da capital do Estado, Belo Horizonte, fornecedora de mão-de-obra, pela facilidade de conseguir matéria prima e pela facilidade do abastecimento de energia elétrica, fornecido pela nova empresa estatal, a Cemig. O novo parque industrial foi planejado e implantado para desenvolver a economia do Estado e, a partir de 1948, dezenas de indústrias se instalaram em Contagem.
Ao considerarmos o grande fluxo de pessoas durante a formação física e social de Contagem, podemos pensar na multiplicidade de saberes, culturas e formações imateriais que passaram e/ou permaneceram nesse lugar por meio da formação cultural, história oral e da memória coletiva. No caso de Contagem, podemos considerar a Comunidade Negras de Arturos e a Comunidade de Ciriacos como esse traço cultural específico e imaterial.
A comunidade Negra de Arturos é descendente de Camilo Silvério da Silva que, em meados do século XIX, chegou ao Brasil num navio negreiro vindo de Angola. Do Rio de Janeiro, foi enviado a Minas Gerais para trabalhar num povoado situado na Mata do Macuco, antigo município de Santa Quitéria, conhecido atualmente como Esmeraldas e que era próximo fisicamente de Contagem. Nesse povoado, trabalhou nas minas e como tropeiro nas lavouras. Casou-se com uma escrava alforriada, Felisbina Rita Cândida e dessa união nasceram seis filhos.
Entre eles, Artur Camilo Silvério foi o que mais prosperou. Nasceu em 1885 e casou-se com Carmelinda Maria da Silva e, juntos, tiveram dez filhos e passaram a morar em Contagem, onde adquiriram a propriedade na qual ainda vivem os seus descendentes. Atualmente, em sua quarta geração, fazem parte da comunidade 80 famílias, cerca de 500 pessoas.
A comunidade oferece um retrato da identidade cultural e das tradições dos negros africanos trazidos para o Brasil durante o período escravagista, bem como da miscigenação com a cultura portuguesa, que deu origem a um sincretismo que ora se comemora isoladamente, ora em companhia das comunidades que vivem ao seu redor.
Entre as celebrações dos Arturos, destacam-se o Batuque (reconhecido como forma de expressão artística pelo Ministério da Cultura, que nomeou Dona Conceição Natalícia como mestre no batuque), a festa da capina denominada “João do Mato”, a folia de Reis, a Festa da Abolição da Escravatura e, principalmente, o Reinado de Nossa Senhora do Rosário, festa popularmente conhecida como Congado. Eles também formam o grupo artístico Arturos Filhos de Zambi (deus dos negros da nação banto) que trabalha percussão, dança afro e teatro em torno da história dos negros.
Em maio de 2014, a Festa de Nossa Senhora do Rosário da Comunidade dos Arturos foi declarada patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais, no contexto do Registro da Comunidade dos Arturos, em Contagem. Foi o primeiro registro de uma comunidade tradicional como patrimônio cultural, fato que ampliou a noção da categoria de lugares e possibilitou outros reconhecimentos.
A comunidade é responsável pela manutenção de diversos bens culturais como a Festa do João do Mato, a Festa da Abolição, o conhecimento sobre as plantas, a Folia de Reis, o Congado, as Guardas de Congo e Moçambique e a sua cozinha tradicional. Além da Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Arturos, também foram reconhecidos o Reinado/Congado dos Arturos e o Rito da Benzeção nos Arturos, bens culturais também relacionados à Comunidade dos Arturos e é, ainda, considerado um dos mais originais do Brasil, constituindo grande e importante patrimônio histórico e cultural de Contagem.
Nesse mesmo sentido, como parte das heranças africanas presentes na mesma região, a Irmandade dos Ciriacos também se constitui como a coluna vertebral na cultura patrimonial, histórica e coletiva de Contagem. Essa Irmandade é fruto do trabalho iniciado pelo Capitão Joaquim Anselmo, mas que abriga uma história de 60 anos de fé, resistência e luta. Envolvido com os rituais do Reinado, a peculiaridade reside no toque do tambor, no ritmo do batuque, indumentária, coreografia e versos cantados.
Essa história começou com Cyríaco Celestino Muniz, cujo nome foi modificado pela oralidade e aos poucos perdeu o acento, tendo a sua grafia transformada para Ciriaco. Na hierarquia do Reinado, era chamado de Capitão Ciriaco e, após a sua morte em 1993, deixou uma rica tradição que vem sendo preservada.
A guarda de Joaquim Anselmo se localizava na comunidade de Água Funda, atual bairro Nacional, em Contagem e que, na época, também residia a família de Ciríaco. Durante os dias festivos do Reinado, Joaquim Anselmo fazia o ritual de levantamento de bandeira na resistência de seu amigo João Cyríaco Muniz, pai de Ciríaco Celestino. Essa aproximação da família com a guarda dirigida pelo capitão Joaquim Anselmo fez com que Ciriaco Muniz aprendesse a bater caixa (tambor) e os cantos tradicionais do Reinado, sendo mais tarde coroado Rei Perpétuo.
Tal tradição específica do Reinado perdurou entre as gerações de homens por muito tempo, mas com a mudança na capitania da guarda do bairro Aparecida, os amigos estabeleceram que Ciriaco mantivesse a homenagem a Nossa Senhora do Rosário, realizada no mês de setembro e com Luiz Carolino fundando uma nova guarda. Entre as diferentes mudanças de localidades dos homens pertencentes ao grupo, em 1956, a família de Ciriáco mudou-se para o bairro Novo Progresso, em que construíram uma capela para abrigar as imagens dos santos de devoção e retomaram as celebrações do Reinado.
A partir da segunda metade da década de 1970, algumas mudanças ocorreram na Guarda de Moçambique do Capitão Ciriaco, fazendo com que a mesma ganhasse contorno de uma irmandade e o seu registro civil de pessoa jurídica, que ocorreu posteriormente.
A organização dessa Irmandade tem um significado para além da formalização do grupo, tendo em vista que as Irmandades do Rosário começaram a se propagar com a finalidade de promover cultos em devoção à Santa a partir do século XVI, tornando-se umas das mais populares associações religiosas de escravos. Nesses lugares, os negros encontraram a possibilidade de se reunirem e de permanecerem ligados aos seus costume e hábitos, manifestando as suas tradições ancestrais.
Para instituir a Irmandade dos Ciriacos, foi elaborado um estatuto que estabeleceu a promoção e a realização dos festejos de Nossa Senhora do Rosário, a divulgação da história e das manifestações de fé de tradição afro-brasileira e seus membros se pautaram nos princípios que norteiam todas as irmandades: a religiosidade e o assistencialismo aos seus integrantes.
Sobre a sua nomenclatura, inicialmente, a associação foi formada utilizando em seu nome a referência à padroeira, Nossa Senhora do Rosário. Entretanto, o termo “Os Ciriacos” foi incorporado mais tarde, em homenagem ao Capitão-mor Ciriaco, fundador da Guarda Municipal de Moçambique que originou a irmandade. A partir de então, o grupo passou a designar-se Irmandade de Nossa Senhora do Rosário – Os Ciriacos, mais tarde reduzida à Irmandade do Rosário – Os Ciriacos, por questões legais.
Desde a sua criação a irmandade realiza reuniões com a presença da diretoria e associados, em que se discute a organização, festividades, estrutura do grupo e assuntos relativos à parte espiritual, igualmente importantes.
Para os Ciriacos, ouvir os tambores tem um significado: ouvir a ancestralidade, vivenciar no dia a dia a força do sagrado, a fé em Nossa Senhora do Rosário e em São Benedito. Mas como ensina o caixeiro da Guarda de Congo, Paulo César Francisco, “todo tambor tem seu segredo”; portanto, compreendê-los não é uma tarefa simples.
Atualmente, algumas organizações, lugares e patrimônios imateriais são resultados dessas tradições culturais de Contagem. São elas: Matriz de São Gonçalo, Conjunto Paisagístico e Histórico da Fazenda Vista Alegre, Conjunto Paisagístico da Capela de Santo Antônio do Morro Redondo, Casa de Cultura Nair Mendes Moreira, Capela de São Domingos de Gusmão, Capela de Imaculada Conceição e Santa Edwiges e Festa de Nossa Senhora do Rosário da Comunidade dos Arturos, patrimônios tombados. Em relação à Educação Patrimonial, existe a criação da Turma do Contagito: Arturinho, Chami, Contagito, Faluca e Zé Gonçalo e a organização cultural é mantida pela FUNDAC: Fundação de Ensino de Contagem.
Vinde, moças! Vinde, moços!
Todo o povo do lugar!
Abram ouvidos pra ouvir!
Abram olhos pra olhar
A novidade do dia
Que eu vim para lhes contar!
Vinde, moças! Vinde, moços!
Vinde, todos, escutar
O que agora vou dizer,
O que agora vou contar:
É a ESTAÇÃO DAS HISTÓRIAS
Que acabou de chegar!
Vai juntar as duas pontas:
O passado e o presente!
O que ficou na memória
E aquilo que é recente,
Duas pontas que se juntam
Na história desta gente!
Vinde, moços! Vinde, velhos!
E povo de toda idade!
A Estação das Histórias
Chegou a esta cidade
Pra falar de PATRIMÔNIO,
De ARTE e de IDENTIDADE!
Permitam-me apresentar:
O meu nome é Juvenal
E vim falar com vocês
De um assunto especial!
A conversa de hoje é sobre
PATRIMÔNIO CULTURAL.
Patrimônio cultural,
Afinal, o que seria?
São as manifestações
E tudo que um povo cria
Ao longo de sua história,
No passado e hoje em dia.
Cada geração recebe
Daquela que veio antes
Uma herança cultural,
Um legado importante,
Que ela usa e modifica
E depois passa adiante.
Mas nem tudo que se cria
Vai durar pra toda vida:
Uma parte se preserva,
Outra parte é esquecida,
Quem decide o que guardar
É o povo em sua lida.
Patrimônio é um tesouro
Que os nossos antepassados
Nos deixaram de presente.
Precisa ser preservado,
Pois que conta a nossa história,
Como foi nosso passado.
Patrimônio é um tesouro
Que está vivo numa arca!
São riquezas, são saberes,
São memórias… Tudo abarca
Das gerações que passaram
E deixaram a sua marca.
Mas é bom não esquecer:
Patrimônio é coisa viva.
O que hoje nós criamos
De maneira coletiva
Expressa aquilo que somos,
Nossa face criativa!
Patrimônio engloba tudo:
Os modos de trabalhar,
Festas, jogos, culinária,
As formas de se dançar,
rap, slam, artesanato,
Nosso jeito de rezar.
Há duas categorias
De bens patrimoniais:
Obras, quadros, documentos,
Prédios são MATERIAIS;
Ideias, festas, receitas
São os IMATERIAIS.
Eu vou explicar melhor:
Todo bem MATERIAL
É concreto e tangível
– tangível é, no geral,
Aquilo que se dispõe
Para o toque manual.
Já o IMATERIAL
É todo bem abstrato.
Uma dança, uma festa,
Uma peça de teatro:
Só quando alguém executa
É que as vemos, de fato.
Agora, vamos saber
Como é nesta cidade!
Quais são os bens preservados
Que lhe dão identidade?
São prédios, parques, igrejas,
Praças, festas, irmandades!
Contagem tem patrimônio,
Uns poucos eu vou citar:
A Matriz de São Gonçalo,
O Espaço Popular,
A Fazenda Vista Alegre,
Casa dos Cacos… Que lugar!
Tem a Casa de Cultura,
Que é o prédio mais antigo,
Seminário São José,
Que hoje serve de abrigo
À prefeitura. E há outros
Tantos que aqui não digo.
Mas dentre todos os bens
Tombados nessa cidade,
Dois vão merecer destaque!
São duas comunidades:
ARTUROS e CIRIACOS,
Um quilombo, outro irmandade.
Começo pelos Arturos,
Cuja história tem início
No século 19
Por causa do natalício
De ARTUR CAMILO SILVÉRIO,
Seu patrono vitalício.
Arturos: comunidade
Quilombola de Contagem!
Simboliza resistência,
Sabedoria, coragem,
Memórias e tradições
Preservadas na bagagem.
Nos Arturos, se pratica
Cultura negra, de fato:
O Congado do Rosário,
Capina de João do Mato,
Folia de Reis, Batuque,
A dança afro e o teatro.
Os Arturos são tombados
Como expressão cultural;
São, portanto, um patrimônio
Do tipo imaterial
Que mantém vivo o saber
E o legado ancestral.
Há também os Ciriacos,
Que é outro bem tombado.
Irmandade do Rosário,
São um grupo de congado
Que mantém viva a fé
E as tradições do passado.
Todo ano os Ciriacos,
Festejam no calendário:
Em maio, São Benedito;
Abril, São Jorge, lendário;
Em setembro rendem graças
À Senhora do Rosário.
Os vossos antepassados
Cumpriram a trajetória.
Agora é a sua vez
De inscrever sua memória,
Na história desta cidade
Que é também a sua história.
Vinde, moças! Vinde, moços!
Vinde mostrar sua voz!
Junte rap, slam, passinho,
À história dos seus avós
Que o patrimônio do futuro
É feito, agora, por nós!